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Morro do Pinga
por Lex em 17/Aug/2009, sobre relatos
Saímos sexta-feira na maior correia.
Chegamos em Pindamonhangaba – etâ nome dificil – por volta das 23:00
Pegamos um táxi até o começo da estrada que levaria ao vale do Pinga. Ao que pagamos, o motorista disse “Ói moço, vô contá proceis, eu tava com um medão de cês cê assalto que eu vô até dá uma mijada. Ahhh ! Que mijada bôa ! Mijada de quem tava cu mêdo !!”
Eu e o Edu Amador batendo papo no ônibus | ver esta foto | ver álbum completo
Noite maravilhosa, ali mesmo achamos que a trip já tinha valido a pena por trilhar debaixo do clarão da lua que dispensava lanterna. Maravilhosas silhuetas sob o intenso “lumiar” da lua cheia. Cheia de luz, cheia de vida, cheia de beleza. Algum tempo de trilha a sede começou a bater. E todas as bicas d’água vinham de pastos, impossíveis de beber. E a sede castigando. Foi aí que eu vi o Edu lambendo as folhas de árvore para matar a sede… e nós tentando fazer as mais mirabolantes façanhas para conseguir água: balançando árvore, lambendo folhas… até que enfim uma trilhinha d’água se pareceu pouco mais confiável e enchemos nossos garrafões. Pouco tempo depois se via abaixo o vale do Pinga que tínhamos atravessado. E o pântano que nos metemos por engano. Trilhamos até as 3:30 quando armamos o primeiro acampamento. Nesse ponto, já estávamos na compania do Tom e do Hanks, dois fiéis cachorros viralatas que nos seguiram.
Tom e Hanks | ver esta foto | ver álbum completo
Na manhã seguinte um dog estava em cada canto da barraca – pensávamos que eles tinham ido embora ! Café da manhã reforçado, leite e pão sírio com queijo. Tom e Hanks ganharam sua parte por terem ficado de guarda. Por volta das 11:00, com o primeiro acampamento devidamente mochilado, nos metemos morro acima ! E bota morro acima nisso. Vista soberba, de Pindamonhangaba, dos campos de arroz, das cidades próximas… revi minha vista do acampamento de reveillón. Um pausa para descanso, fotos. Mistura-se o pózinho mágico à garrafa d’água e se tem um belo suco de frutas. Enfim, chega-se à casa do Gordo. Sem luz, de barro, exatamente entre o nada e o lugar algum. Mas a vista… ah, que vista. E lá estava o gordo.
A vista… ah, que vista | ver esta foto | ver álbum completo
Seguindo GPS e um pouco de intuição, finalmente passamos o meu ponto de retorno no reveillón. Agora era tudo novo, desconhecido, surpreeendente. Surpreendente mesmo foi quando a gente perdeu a trilha, na verdade trilha essa que a gente nunca achou e nos embrenhamos pelo meio do mato. Agora sim a expressão “fazer uma trlha” fazia sentido, pois estávamos literalmente abrindo a trilha no peito, no meio de uma mata fechada, mas não estávamos num mato sem cachorro. Lá estavam Tom e Hanks, rindo de nós pois eram menores, mais ágeis e não carregavam mochilão. Sem facão, mas com cara e coragem, seguindo morro acima, contra as adversividades duma volumosa mochila, uma bela subida, mata fechada, e sem facão. Revezávamos quem ia na frente. Aquele estranho aparelho de posicionamento global dando as mais diferentes posições. E, quando menos esperávamos, um paredão de pedra, gotejando, e aí e gente entendeu o significado do morro do pinga: um morro que pinga constantemente. Contornando à esquerda, brigando com a mata, com muito escorregão, doído dum ataque de vespas, riscado de mato, algumas horas depois, e muita suadeira… chegamos ao topo.
O corpo estava cansado, mas a alma não | ver esta foto | ver álbum completo
Lugar íncrivel, mato da nossa altura e árvores queimadas: raios. Subi numa das poucas árvores que sobraram para ver a vista, 360º num raio de uns 50 quilômetros. Fantástico. Aquela brisa fria para nos resfriar um pouco. O Wolverine pegou a carta topográfica, alinhou com a bússola, consultou o GPS, alguma coisa estava errada, ainda não havia trilha nenhuma em lugar algum. E o problema agora não era mais a mata fechada, e sim o capim de metro e meio de altura. Depois de achada nossa posição, uma olhada de cima da árvore e a dura decisão: seguir viagem ? Nosso tempo se esgotava lentamente, nossas forças exauridas, somente mais duas ou três horas de sol, torres de TV visiveis, mas há um dia de caminhada por caminhos que não sabíamos de qual dificuldade seria. Água, água, água. Tom e Hanks mortos, onde parávamos, eles deitavam. Mas sempre conosco.
Tom e Hanks sempre por perto | ver esta foto | ver álbum completo
Contornamos o Morro do Pinga de modo a tentar uma investida mais fácil pela parte de trás do morro. Capim de metro e meio, seguíamos com dificuldade também. Somente mais duas horas de sol. Finalmente achamos uma trilha de vacas num pasto alto. Pés doiam. A trilha parecia levar à algum lugar pois se abria cada vez mais, e muitos e muitos metros abaixo se revelava uma casa e muito parecia que aquele alto pasto nos levaria à uma fazenda. Toda aquela bosta deveria ter saído de alguma vaca ou cavalo, que de alguém deveriam pertencer, alguém esse que uma estrada deveria seguir para ali chegar. Mas o caminho se estreitou até sumir. Voltamos para negociar um segundo acampamento. O Edu pegou um TalkAbout, se livrou de sua mochila e foi fazer um reconhecimento mais abaixo, numa investida rápida. Nada, nada, nada. Recebia no walktalkie o desanimador boletim do Edu dizendo que nada mais havia lá embaixo. Sem trilhas, sem casas, muito menos alguma estrada.
Enquanto isso Wolverine e eu decidiamos a área do acampamento 2. Montado acampamento, pés merecidamente secos e no chinelão, hora do rango ! E que comida soberba preparamos… arroz tio João de ervas finas e curry com seleta de frutas e feijoada. Fazia tempo que eu não comia tanto e com tanta vontade. Fiz as contas e a última vez que eu havia comido foi na quinta-feira. E já era sábado. Ao final, demos comida para o Tom e o Hanks, que estavam nos acompanhando o tempo todo, fielmente.
Acampamento 2 | ver esta foto | ver álbum completo
A água voltou a ser um problema. Tínhamos apenas dois litros para passar a noite e voltar para a casa do gordo, uma caminhada que cálculavamos ser de três horas. Dois litros d’água era muito pouco. Ainda mais depois de tanta comida. Enfim, merecida noite de sono. Duro é um aguentar o ronco do outro. Do lado de fora, Tom e Hanks, um de cada lado da barraca. Num determinado momento da noite um cavalo se aproximou e a dupla latiu ferozmente: bons companheiros de aventura.
Na manhã seguinte, apenas umas goladinhas de água na garrafa. Não teríamos como fugir de uma descida ao rio bem abaixo – o problema era atravessar a mata fechada para buscar água. Mas por sorte achamos uns rochedos dos quais vinham água que parecia ser um pouco melhor e deu para encher nossos 6 litros de reserva. Café da manhã com leite, como eu havia desejado na noite anterior ! Era de nossos planos acordar ao raiar e seguir viagem de volta, mas o cansaço fez com que a gente recolhesse o acampamento 2 somente lá pelas 10:00. Uma pausa para cortejar a vista, e mochila às costas e bastões na mão novamente !! Uma garrafa virou uma maravilhosa jarra de Tang abacaxi com pêra. E seguimos morro acima. E novamente no topo do morro, ou quase no topo, lá estavamos novamente a analizar a carta com bussola, GPS e alguém trepado numa árvore. Era duro ver as torres de TV e a trilha que as levava ao longe. Mas, enfim, seria necessário mais um dia ou dois. E voltamos a descer o morro, até encontrarmos um pequeno córrego, trilha essa que duas horas depois saiu na casa do gordo: em contrapartida das nossas 5 horas de subida.
A casa do gordo | ver esta foto | ver álbum completo
Nova parada para o visual, fazer mais um suco, barrinhas de cereal, uma bela pausa para descanso, agora o relógio estava a nosso favor. Morro abaixo, voltando de nossa jornada, passamos pelo local do acampamento 1, e voltar se mostrou tão mais rápido. E agora, Wolverine e Edu poderiam curtir o cenario de dia e babar um pouco nas pedras que poderíamos escalar. E pausa para um também merecido banho de riacho !!! Tirar o fedor, sentir a hidromassagem natural, colocar roupas limpas, passar um desodorante. Depois disso, alguns quilômetros à frente, um pesqueiro com restaurante, e depois de matar a fome e, é claro, a do Tom (o Hanks havia ficado no riacho), depois de algumas cervejinhas, Wolverine e eu demos um tchibum no riacho do pesqueiro, coisa que só as crianças faziam… não sabíamos que havíamos encontrado a fonte da juventude. Seguindo um pouco mais, e de roupa seca pelo sol, uma carona de volta à Pindamonhangaba ao melhor estilo mochilão.
Um banho, que alívio ! | ver esta foto | ver álbum completo
Voltando a memória para o topo do morro do Pinga lembrei de minha mãe me perguntando “meu filho, porque você faz essas coisas ? Porque sofrer tanto ?” E a resposta não vinha a boca. Talvez porque não fosse uma resposta verbal. E foi estando lá que eu puder ter a resposta. É a privação de coisas bobas como água, banho, energia. É a conquista, é o visual, é o cheiro da mata, é a forma fisica, é o viver. É o largar de suas comodidades e viver às suas custas, carregando sua sobrevivência às costas. Não, isso ainda não responde a pergunta de minha mãe. Mas sentado, exausto eu achei a resposta. Na água fria do riacho tomando banho depois de dois dias eu achei a resposta. No olhar do Tom e do Hanks eu achei a resposta. E aqui, de volta a cidade, lembro do que o Wolverine me disse: “numa trip dessas você sempre volta diferente daquela pessoa que foi”