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Uma ou duas coisas sobre técnicas

por em 31/May/2008, sobre equipamentos e técnicas

Final de semana passado foi a 3ª da série de aventuras de treinamento da Kad. Desta vez descemos o rio Mogi. O objetivo era subir de volta à Paranapiacaba pela ferrovia funicular, mas não deu tempo. E não deu tempo não porque se apertássemos o passo não seria factível; apenas tornaria nossa aventura uma corrida e não algo mais. Ir é mais importante que chegar, ou, o meio é o fim. Confesso que fiquei com sede, pois seria muito bom fazer o roteiro completo. Anotei num canto do meu caderninho ?dinheiro, documentos, chaves de casa, nada disso é mais necessário aqui?. Por que pressa e competição seriam? Os motivos que me ligam ao agreste não são superação de limites nem fisiculturismo, é tão somente a paz interior. É visitar e viver as aventuras que criei em minha mente. É voltar a ser criança novamente.

Desta vez, vou me abster dos comentários das belezas perdidas no meio do mato e das vezes que me encontrei lá. Vou apenas matar algumas curiosidades que algumas pessoas têm com relação às técnicas que uso. Quem sabe isso possa estimular você a fazer sua aventura.

Comida

Aprendi a cozinhar em trilha. A primeira vez que comi de verdade numa trilha eu fiquei maravilhado com o fato de estar comendo melhor lá do que na minha própria casa. Em Paraty, acampado numa praia deserta com experientes amigos (um deles era sócio de uma famosa loja de aventura), havia comido um saboroso arroz Tio João com ervas finas, cozinhado dentro do saquinho, acompanhado de uma belíssima feijoada. Desde então, faço jus àquela comida tão gostosa. Para isso gastei uma nota preta num fogareiro sueco Primus Multifuel. Ele funciona com benzina, gasolina, querosene, diesel, água benta e força do pensamento. É muito versátil pois não requer aqueles cartuchos de gás que ocupam um espação. É totalmente desmontável e caso necessário pode ser consertado em campo, com duas ferramentinhas que vêm com ele. Ele acende na chuva, no vento, neve, tempestade ou furacão. Dia desses fiz uma adaptação nele e mandei para o pessoal da Primus quem sabe botar minha idéia em produção.

Janta
– Depois de caminhar o dia inteiro, você está morrendo de fome. É indispensável levar um antepasto senão você vai queimar a língua ou comer a comida crua. Salame tem se mostrado muito bom. Ainda não consegui pensar em alguma alternativa tão prática e barata
– Feijoada é um grande clássico e indispensável nos revéillons. Já passei vários revéillons acampado solo comendo essa comida deliciosa. Sempre adiciono algum tempero para dar um sabor especial e ultimamente tenho usado noz-moscada. Para minha alegria, agora está sendo embalada em sacos a vácuo, milhares de vezes melhor do que a enlatada
– Arroz com ervas: copiado do Tio João, o preparo com sazón, sal, manjerona/manjericão, curry (é o ingrediente principal), cebola, alho, orégano, cheiro verde, cebolinha, salsa. A maioria dos temperos levo desidratado e por muito tempo levei tudo isso já misturado e testado em casa. Não tem jeito, arroz para mim tem que ser o Tio João parboilizado. Dica: leve-o em uma garrafa pet de 600ml, ocupa menos espaço e é uma embalagem muito confiável
– Sopa de legumes: fiz nessa última incursão com a Kad. Cenoura, batatas e a água com o mesmo tempero de ervas do arroz
– Fusilli: o famoso macarrão parafusinho. O molho pode ser em pó, mas isso iria requerer leite em pó. Levava as latinhas de Tarantella da Arisco, mas hoje a embalagem em sacos a vácuo da Predileta tem se mostrado melhor. Sazón e ervas em sua água dão um sabor especial
– Risoto com shitake: o shitake desidratado se comportou muito mal na minha trip no mesmo roteiro do rio Mogi com o Edú, ou eu não soube hidratá-lo direito. Foi um prato decepcionante, mas que eu adoro fazer em casa com shitakes em conserva. Mas, por outro lado, já levei muito champignon para colocar no fusilli ou no arroz. Uma maravilha, ainda mais se você deixar ele curtindo o dia todo dentro do mochilão numa bem temperada conserva. Ainda não o fiz, mas estou louco para levar o risoto do Espoleto. Dentro dos restaurantes, eles ficam guardados em saquinhos a vácuo. Basta negociar essa compra diferenciada e comer no acampamento comida de restaurante de shopping center.

Para o café da manhã:

– Omelete: com bacon, champignon, presunto, queijo, e o que mais você quiser. Carregar ovos no mochilão sem quebrá-los é uma arte. No meu caso, achei um tupperware comprido, que falhou na primeira vez e na segunda se mostrou excelente.
– Pizza: levo aquelas massas prontas, de tamanho pequeno, que se adequam ao tamanho de minha panela. É um ótimo item, que se bem guardado dura muitos dias. Certa vez com arame de cerca e numa outra com arame de cabide, forjei uma grelha do tamanho de minha panela. Coloco a pizza sobre ela, encho a panela de água até onde der e faço a pizza no vapor. Hidrata a massa, que fica muito macia e não tem o fundo esturricado. Faço pizzas de peperoni, calabresa, tomate seco, champignon. E o grande barato: as pizzas de chocolate. Costumo levar o Hershey’s, que derrete melhor, mas na expedição da ferrovia funicular levamos um pote de Nutella, que a Kad achou barato numa lojinha. Ficou uma delicia. Para a próxima expedição: pizza de chocolate com morangos ou banana
– Café: já levei leite em pó e achocolatado e ficaram muito bons. Certa vez levei leite de soja em pó sabor baunilha, fui ao delírio. A Kad não dispensa um bom café, só que neste caso só dá para ser o solúvel. Conheci um trilheiro que levava a cafeteirinha italiana dele. Num dia de frio, ter alguns saquinhos de chá mate pode dar um belo alívio. Na Joatinga, em Parati, levei Froot Loops (o cereal colorido do tucano da Kellog’s) para a semana inteira, adoro esse cereal. Evito biscoitos por eles sempre acabam esfarelando (e confesso que tenho preconceito com qualquer coisa que pareça comida de amador). Certa vez com minha ex-mulher levamos muitas daquelas manteiginhas e geleiazinhas. Lembro que fizemos um café da manhã caprichado na Pedra Bela, em Atibaia. Naquela época eu também gostava muito de pão sírio, mas acabei abandonando-o em favor das pizzas no vapor.

Contínuos
A princípio, não se almoça em trilha. Você não vai parar no meio do mato, desmontar pelo menos metade da sua mochila e gastar umas 2 horas preciosas cozinhando e descansando. Você guarda todo este esforço e tempo para a janta. Por isso, você tem refeições leves, às vezes para comer enquanto anda. Neste aspecto, as barrinhas de cereal são o supra-sumo desta categoria. Mas tempos bicudos já me obrigaram a improvisar, e descobri coisas interessantes:
– Barrinhas de cereal: já tentei fazer, e apesar do gosto ter ficado bom, foi um desastre. Não acertei o ponto e como elas não endureceram, acabei comento de colher mesmo, lá em Paraty. Tava bom, mas nada prático
– Frutas: nunca tive o hábito de comê-las, mas estou cedendo a este costume. Nesta última viagem levamos frutas desidratadas, que num experimento tentamos fazer no forno de casa. Não ficaram perfeitas mas a versão 2 promete. As vítimas foram maçãs e pêras. Levamos goiabas inteiras também. Pelo menos essas três frutas, desidratadas ou não já, estão escaladas para minha próxima jornada. Já tentei damasco seco, dica de uma amiga muito querida, mas infelizmente não me dei muito bem com eles
– Torrone e cajuzinho são meus prediletos. Sempre anseio por um orçamento decente para poder levá-los. Quase ia me esquecendo daquele bastãozinho de carne Jack Sticky, não é ruim não

Comida em trilha é assunto tão complexo e interessante que o Sergio Beck escreveu livro chamado O guia de cozinha para o excursionista faminto. De lá tirei vááárias ideias e, se este assunto lhe interessou, este livrinho é indispensável.

Acampamento

Hoje tenho 3 barracas: uma iglú, e duas solo. A iglú é para três pessoas, de uma marca quase desconhecida, Capri. Foi minha primeira barraca e a comprei no antigo Extra, que era o antigo Mappin do centro da cidade, parcelada no cartão de crédito de uma namorada antiga. E essa namorada nunca chegou a entrar nesta barraca, veja você. Essa igluzinha aguentou incontáveis ventanias, chuva intensa, acampou nos mais diferentes lugares e sempre foi uma excelente companheira. Não tenho apego a coisas materiais, mas sim às experiências que essas coisas materiais vivenciam comigo e por isso tenho o maior carinho e respeito por esta igluzinha. Ela me pede para ser aposentada, mas sempre postergo seu descanso. Pensei que minha segunda barraca, uma Bivak II da Trilhas e Rumos (solo) tomaria seu lugar, mas essa se mostrou péssima. É ruim de armar, não é auto-sustentável, parece um caixão. Usei-a somente duas vezes e ela fica parada aqui em casa. A última é uma Eureka! Solitaire, uma marca americana pioneira e a barraca (solo também) foi um fiasco: teve a vareta quebrada várias vezes (parece até que veio podre) e é impossível cozinhar com ela na chuva. Ela foi bem mais usada que a Bivak II, por ser mais leve e por eu ter pago uma nota nela. É muito bonita sim, mas já me tirou do sério algumas vezes. Não teria sido possível acampar com nenhuma das outras duas naquela pedra da cachoeira no revéillon deste ano, então ela ainda tem algumas qualidades. Não é auto-sustentável mas é bem fácil de armar e é confortável dentro dela. Se eu achar uma solução para sua vareta, ainda pode ser usada mais algumas vezes, desde que a previsão do tempo não fale em chuva. Meu atual sonho de consumo é uma MSR Hubba HP. Dicas: na minha concepção, existem 2 tipos de barracas: as de camping e as de aventura. As de camping, são essas barracas enooormes, com avanços e espaço de sobra. Precisam ser carregadas por uma romaria de pessoas ou usadas naqueles campings que você vai de carro. Essas não me interessam. As barracas de aventura podem medir no máximo 2×2 porque será quase impossível você achar um espaço maior do que esse para acampar (ok, menos na praia). E são leves para que você possa levar tudo mais o que precisa levar. Barracas de aventura têm de ser feitas de tecidos de última geração, para dar isolamento térmico e impermeabilidade. Devem ser para no máximo 2 pessoas, pois viagens de aventura devem ser restritas. Devem ser projetadas para você pode cozinhar mesmo na chuva (já passei fome por causa da minha Eureka Solitaire, comentei isso em um post) e para espetá-las em lugares inóspitos. Devem ser de montagem rápida, que possa ser feita debaixo de chuva em poucos minutos.

Sobre estar acampado: eu gosto de sempre desmontar a mochila inteirinha e reorganizar tudo dentro da barraca, todos os dias. Tenho o lado certinho das coisas: à minha esquerda vão todos os itens de cozinha, na cabeça as roupas (para virarem travesseiro), à direita itens de higiene e equipamentos gerais. Essa ordem é sempre seguida para que eu possa localizar as coisas no escuro, ou mais rapidamente. Se é um lugar isolado (e normalmente é), não me preocupo em deixar o que precisa ficar do lado de fora, como bota, bastões, camel back, fogareiro, panelas. Se é debaixo de chuva, só fica lá fora o que já está encharcado. E as panelas para facilitar a limpeza na manhã seguinte.

Equipamentos

Minha lanterna de cabeça eu mesmo fiz, pois tenho conhecimentos de eletrônica. Ela utiliza cinco leds grandes, uma bateria de telefone celular e um dínamo a manivela para carregá-la. Depois deste invento, adeus às pilhas. Só são necessárias mesmo para o GPS, até eu fazer o mesmo dinâmo carregar pilhas comuns. Está na lista de tarefas. Projetei esta lanterna para funcionar debaixo d’água, mas não testei isso ainda. Na chuva ela se comportou bem. Acho que um dos inventos mais importantes na eletrônica para os aventureiros, depois do GPS, foi com certeza o led de alta intensidade. Eu já usava-os quando esssas lanternas comerciais nem sonhavam em existir, e conseguia dias de iluminação com as mesmas pilhas. Para quem já usou lanterna à lâmpada, e hoje usa os leds, sabe da benção que são.

Meu GPS é um Garmin eTrex Venture, é meu xodó. Que aparelhinho fascinante. Ele sozinho daria um post (ou livro) inteiro, por isso nem vou entrar em muitos detalhes. O que você precisa saber é: se você quer se aventurar que nem gente grande, precisa de um aparelho desses. Nas palavras do Latuff: ?com um aparelho desses, você entra e sai do mato a hora que quiser?.


PS.: a foto acima não é do meu GPS, e sim do PSP do meu amigo Hanter. Nesta viagem fizemos uma sessão de cinema à noite
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Bastões: a pergunta das pessoas que me vêem passando é sempre a mesma: ?você vai esquiar ?? Os bastões, que são quase idênticos àqueles usados em esqui na neve, são aparatos que te dão enorme performance na caminhada, e eu até arriscaria dizer que são um item de segurança. Quantas vezes não deixei de levar um tombaço com o mochilão porque uma bastonada correta me salvou. E a perceptível performace que dá botar os braços para ?andar?. Você vira um quadrúpede e cansa menos as pernas. Pena que na minha incursão na ferrovia funicular, esqueci meu par de bastões dentro do táxi. Ah, dica: compre os mais baratinhos. Já tive vários bastões caros e esse é um item frágil, que não costuma durar muito tempo.

Mochilão: assim como tenho várias barracas, já tive incontáveis mochilas. Mas minha paixão mesmo é minha Crampon 77, da Trilhas & Rumos. Ela sempre esteve comigo, e tem a mesma experiência de vida que a igluzinha. Já carreguei nela incontáveis toneladas: na época que pulava da ponte socava mais de 200 metros de corda e vááárias cadeirinhas e ferragens para vertical. Com o tempo, ela foi abrindo um rasgo vertical que a Kad teve a bondade de costurar para esta nossa última viagem. Agora ela está novinha de novo. Mochila é um item crucial de conforto, capacidade de carga e recursos técnicos, por isso deve ser comprada com critério. Acho que, da Trilhas e Rumos, essa é a única mochila que eu compraria, e fico muito feliz que na época fiz a compra certa — afinal, tive a assessoria de alguém mais experiente que eu. Meu sonho de consumo hoje é uma Deuter AirContact 75+10

Câmera: sou fotógrafo e exijo uma câmera que me permita os controles que preciso para uma boa foto. Ter controle sobre abertura, exposição, foco, branco são coisas das quais não abro mão. Hoje tenho uma Sony Cybershoot F717, que comprei usada e quebrada. Consertei-a e ela tem me dado muitas alegrias (quando não empaca). Meu sonho de consumo é qualquer DSLR moderna, Nikon ou Canon. A Sony A100 também é uma boa pedida. As memórias de minhas prmeiras aventuras começam a ficar embaçadas em minha mente; é preciso ter belos registros do que foi feito; nada de fotos fora de foco ou compreensão. Assim como estou usando este blog para registrar os fatos, a câmera é usada para registrar os momentos.

Sou bastante criterioso na aquisição dos meus equipamentos de aventura. Imagino que cada item que carrego faz parte de minha sobrevivência no agreste. É um bastão que evita eu quebrar uma perna, uma lanterna de cabeça que ilumina uma cobra, um fogareiro que mata-me a fome, uma barraca que livra-me da hipotermia, o GPS que me tira da mata. Em cada item eu deposito a minha vida, por isso acabo sendo muito criterioso na escolha de novos brinquedos. Algumas marcas eu respeito muito, pois sinto que fazem seus produtos com essa filosofia. Até hoje uso o saco-estanque em que veio minha camiseta da Track&Field ou sacos de meia da Adventure Gears. Minha Crampom me acompanha por tantos anos porque foi feita para durar. Queria que outras marcas de outros produtos do cotidiano pensassem tanto em seus consumidores com os fabricantes de equipamentos de aventura.

É, o post ficou bem maior do que pensei e não cobriu quase nada de tudo o que eu queria falar. Mas acho que desmistifiquei um pouco da minha vida no campo mostrando que não é tão sofrida assim. O que levo, acima de tudo, é conforto e segurança. Porque, afinal de contas, não é por estar no meio do mato que eu preciso sofrer.

?Nós nunca crescemos; a única coisa que muda são os preços dos nossos brinquedos?

PS.: agradeço aos meus queridos amigos inscritos no RSS (e os leitores recorrentes não-inscritos!) que acompanham minhas aventuras. Com a ajuda de vocês tento sempre fazer um post mais interessante que o anterior
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