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Solo funiculista

por em 21/Jun/2008, sobre relatos

É isso aí, caros amigos do esporte. Estamos aqui reunidos para mais uma aventura. Quem já viu mais de dois posts deste humilde blog sabe para onde fui: a ferrovia funicular abandonada na Serra do Mar, entre Paranapiacaba e Cubatão. Desta vez, um solo de final de semana.


Estação de Rio Grande da serra, sentido Paranapiacaba | ver esta fotover todas as fotos

Foto tirada às escondidas. Cabine de seguranças que garantem que ninguém vai passar por ali (pelo menos em horário comercial) | ver esta fotover todas as fotos

“Pelas grades eu posso ver vocês”: aqui começa a trilha | ver esta fotover todas as fotos

Tudo começou muito bem. Não faltou comprar quase nada pois final de semana passado cancelei esta viagem. Então, foi apenas o trabalho de comprar uma ou outra coisa e fechar o mochilão. Aliás, taí tarefa que leva tempo: numa viagem normal, entre chegar do mercado e fechar a mochila levo cinco horas, e na tarefa diária de organizar todos os cacarecos e colocá-los na mochila para seguir viagem, uma hora. Uma das minhas esperanças com um novo modelo de mochila cargueira da Deuter é diminuir este tempo.


Acredite, esta foto foi feita à meia-noite | ver esta fotover todas as fotos

Vinte e quatro horas de trens | ver esta fotover todas as fotos

A vila de Paranapiacaba estava bastante movimentada para uma sexta-feira à noite, mas naquele final de semana houve uma convenção de bruxos, veja você o tipo de lugar onde costumo me aventurar. Movimento nesta vila não é algo bom para mim, visto que tenho que ser o mais discreto possível para os pseudoecologistas de plantão e os seguranças da ferrovia ativa não me proibirem de entrar na ferrovia. Por isso o início da aventura ali deve ser muito cedo, ou muito tarde. Acho estranho ver uma turma muuuito grande, cheia de mochilas e colchonetes e barracas sentada ali na igreja. Bom, pelo que expliquei anteriormente, não posso ficar dando bandeira para descobrir o que é. Se minha mochila fosse 20kg mais leve, não tivesse um isolante pendurado nem GPS ou sistema de hidratação, até poderia disfarçadamente saber o que aquele povo está tramando. Sigo meu caminho, entro nas obscuras vielas do vilarejo, logo logo me embrenho em alguma trilha e prontamente estou entrando na ferrovia. Pausa para lindas fotos ferroviárias.


Sábado de sol, pé na trilha | ver esta fotover todas as fotos

Quando criança, sonhava em atravessar um desses. Agora, tenho um monte deles | ver esta fotover todas as fotos

É meia noite, lua cheia e está muito claro. Os meus queridos trenzinhos já passam a me fazer compania, logo abaixo. Aproveito para fazer mais fotos de longa exposição, que é impossível de dizer que foram feitas de madrugada. Alguns minutos mais tarde, chego a uma velha conhecida plataforma que se abre na trilha, um lugar onde fiquei preso por dois dias com a Kad por conta do mau tempo. É tão perto da vila que quase dá para ouvir a barulheira de lá. Mas tenho um grave problema: o córrego d’água que ficava a segundos de caminhada do acampamento estava seco, e o único lugar com água disponível ficou láááá atrás, na entrada da ferrovia, ao lado da vila. Largo o mochilão, pego o camel back e meu tupperware para me abaster, fazer a janta e ter o que beber durante a noite (às vezes erro no tempero e dá-lhe água durante a noite!). Lá vou eu ter que voltar tuuudo de novo.


Substituí as barrinhas de ceral por frutas e torrone. Ótima escolha | ver esta fotover todas as fotos

Acho que o teto precisa de uma reforma | ver esta fotover todas as fotos

Abastecido de água e muito próximo ainda da vila, posso ver, do outro lado da mata, umas cinco lanterninhas ziguezagueando e uma baita galera conversando. Eu, à meia-noite, sozinho em um morro no meio do mato, e eles num declive fechado pela mata, nós separados pelo vale da ferrovia ativa, faz com que eu os veja e os escute como se estivessem a poucos metros de distância. Então ficaram claras duas coisas: aquela era a turma reunida na igreja. Essa mesma turma estava perdida, procurando a trilha do Mogi, ou tentando inventar uma nova trilha. Eles estavam indo em direção à ferrovia ativa, e se os seguranças da ferrovia chamaram a polícia somente para mim e para o Latuff, imagine para aquela galera toda! Se eles saíssem mesmo na via ativa poderiam se machucar seriamente ou atrapalhar meu passeio. Pela claridade da lua e para evitar algum segurança de plantão, andava com minha headlamp desligada. Pisquei minha lanterna algumas vezes e depois gritei sério, da escuridão:
“Aqui não há trilha nenhuma. Voltem e façam a trilha original.”
Lá, alguém tentou sussurrar:
“Apaga a lanterna! Apaga a lanterna!” e alguém ralhou sem discrição nenhuma: “Agora não, que eu tô na descida!”
As lanterninhas foram se apagando sequencialmente e a turma se aquietou. Voltei para minha caminhada de volta ao acampamento pensando “bando de amadores”. Armei o acampamento, cozinhei uma sopa que ficou uma porcaria e me enfiei na barraca. Desta vez levei minha Trilhas&Rumos Bivac I e quando eu disse no último post que era uma barraca ruim, estava errado. Essa barraca é péssima. Não estica direito, amarrá-la é um suplício, apertada, teto baixo… fiquei imaginando se eu tivesse que armá-la durante a chuva: morreria de hipotermia ou afogado. Quem quiser comprar uma linda barraca solo, quase sem uso, dê seu lance.


É praticamente uma cozinha planejada. Observe que amarrei o fogareiro com tied-ups | ver esta fotover todas as fotos

Atenção: olhe sempre o seu calçado e suas meias antes de calçá-los!!! | ver esta fotover todas as fotos

Se você não gosta de aranhas, nem pense em ir para lá | ver esta fotover todas as fotos

No dia seguinte, sete horas da manhã, quando finalmente consigo dormir (por causa da ventania que hora fazia um barulho que me acordava, hora era o vento dentro da barraca), acordo com berro:
“Ô da barraca! Bom dia!”
E não me dando ao trabalho de levantar nem de responder (deu um peso na consciência, mas eu estava esgotado de sono), olho pelo vão da Bivac aquela baita turma saindo do túnel que nem formiga do formigueiro. Por baixo contei umas dez pessoas (mais tarde fiquei sabendo que eram vinte). Fiquei olhando aquele povo atravessando a primeira ponte podre, uns agachados, outros andando, e mais uma vez bati a mão na testa: “bando de amadores, vão estragar meu passeio”. No mau humor em que estava acordei por volta das 11h reclamando que nem um velho ranzinha. “Droga, isso aqui virou passeio turístico, semana que vem vou trazer minha avó.” Estava de de mau humor também por causa da janta da noite anterior, que deu errado. Fiz uma sopa, mas esqueci o macarrão, o descascador de legumes, a concha, exagerei no curry, faltou óleo e sei lá mais porque ficou estranha. Descontei no omelete do dia seguinte: três ovos, champignon, presunto, tomate, orégano, cebola, bacon e ervas finas. Ficou tão gostoso que até me deu coragem de pegar a câmera e fazer algumas fotos. Também fiz um litro de suco de manga. O tempo estava começando a esquentar; estendi minha calça, meias e botas molhadas e logo logo elas começariam a secar. Só fiquei tentado a tacar fogo na barraca, mas teria que gastar a benzina que poderia me faltar para o dia seguinte.

Estava de volta a trilhar e não vou relatar esta parte. Assistam os vídeos e acompanhem a aventura de perto:


Um ângulo diferente de um lugar que eu acampei 100 metros abaixo. Compartilhe a vertigem, compartilhe a vista | ver este vídeover todos os vídeos

Sem dúvida o túnel mais bonito de uma série de 14 | ver este vídeover todos os vídeos

É quase fim de tarde. Mais uma ponte. Dessa vez veja em detalhes o quão delicado é andar sobre dois trilhinhos podres | ver este vídeover todos os vídeos

No meio da ponte, uma queda. É aqui que eu quase vou para o vinagre. As pernas bambas quase me impedem de continuar | ver este vídeover todos os vídeos

Ainda tenso, mostro novos ângulos das delicadas travessias que fariam um equilibrista do Cirque du Solei ficar com inveja | ver este vídeover todos os vídeos

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Um local que faz Bruxa de Blair se tornar desenho animado. E para melhorear, é onde vou passar a noite | ver este vídeover todos os vídeos

Preparativos para passar a noite. Você já passou a noite num lugar mais sinistro do que esse? Duvido! | ver este vídeover todos os vídeos

Detalhes do acampamento da noite anterior e o café da manhã | ver este vídeover todos os vídeos

Pé ante pé, e sentindo a adrenalina nas veias, aproveito para mandar os recados, caso eu não sobreviva a isso | ver este vídeover todos os vídeos

Curta a paisagem, sinta a natureza em cima de mais uma ponte | ver este vídeover todos os vídeos

Domingo fez um dia feio. Estava chuvoso, e na parte da tarde, começou uma garoa fina. Em certo momento tive que guardar a câmera, colocar a capa-caramujo na mochila e vestir o anorak. Chego finalmente ao pátio de Cubatão debaixo de uma chuva que vai aumentando lentamente. Dessas que a gente sabe que quando ficar forte, não vai parar tão cedo. Então desencano da idéia de andar até o Pátio Raiz da Serra para quem sabe descolar uma carona de trem de volta a Paranapiacaba. Quando estou debaixo do viaduto da rodovia Piaçaguera, vejo uma baita turma se abrigando da chuva. Todos pareciam estar de mochila e começo me aproximar, chamando a atenção de todos. Já perto, posso confirmar visualmente que é a tal turma que se aventurou na minha frente. Foi muito engraçado confessar a eles que eu era o cara no meio do mato à noite na sexta-feira, mas ao invés de serem ríspidos comigo, todos foram muito bem humorados e todos rimos à beça do susto que lhes preguei. Eles pensaram que eu era um segurança da ferrovia que os havia descoberto. Disseram-me que esperaram um tempão até irem para o túnel acampar. Conheci quem havia me dado o bom dia, e a turma era bem maior do que pensava, estavam em vinte (mas cinco já haviam partido). Muito educados e com o verdadeiro espírito de aventura, ofereceram-me gentilmente compartilhar de seu almoço — cujo aspecto estava muito bom, mas eu havia comido há pouquíssimo tempo — contaram-me suas histórias da descida, mostramos uns aos outros as fotos e vídeos que fizemos e compartilhamos as experiências. Todos muito simpáticos, tanto que voltamos juntos à São Paulo. Mas havia uma pergunta que me tinham feito e que eu não consegui explicar: por que fazer isso sozinho?


Tarde chuvosa na chegada a Cubatão | ver esta fotover todas as fotos

Os funiculeiros | ver esta fotover todas as fotos

Uma turma espetacular | ver esta fotover todas as fotos
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