Pensamentos sobre pirataria

Uma caça às bruxas não vai resolver o problema; as empresas precisam nos entender e ir onde nós estamos

por em 18/Jan/2011
Fotos: internets

Hoje eu não vou falar sobre nenhuma técnica mirabolante para acampar ou trilhar. Ou de alguma trip que eu fiz por aí. Ou de algum produto milagroso (tá, até vou um pouquinho). Mas eu tenho uma historinha para contar antes.

Já faz algum tempo que eu sei da existência do e-Bay, mas nunca nem entrei porque sabia que isso começaria um processo que me levaria à falência. Até que um amigo de longa data apareceu lá em casa, e fã do eBay, me deu uma aula de como comprar lá. Claro que eu fiquei extremanente empolgado; afinal, um Petzl Grigri que está R$503.50 aqui no Brasil, eu achei por cerca de R$150. Outra: perdi o giclê do meu fogareiro Primus Omni Fuel, cujos fabricante sueco e distribuidor nacional ignoraram meus e-mails sobre peças de reposição e kit de reparo.  Lá estava no e-Bay, pela bagatela de 20 doletas, com entrega aqui na terra da banana. Comprei na hora! Outra coisa legal é que a maioria dos vendedores aceita PayPal, o que eu acho muito mais seguro do que colocar o número de cartão de crédito para sabe-se lá quem.

Entendeu para que serve este buraco na CPU?

Passa a euforia e depois de milhares de pesquisas de equipamentos que eu quero, finalmente coloquei a cabeça no lugar e fui pensar o que eu preciso para minhas viagens. Lembrei da genial Vibram Five Fingers que eu havia visto há alguns anos mas até agora não chegou por aqui. Lá vou eu para o e-Bay procurar meu sonhado equipa, e lá está ele, por um preço super sexy: US$ 71 com a entrega! Por curiosidade, dou uma passada no site da FiveFingers para saber o tamanho que preciso comprar e lá está um aviso em letras garrafais para ter muita atenção com cópias falsas. O item do e-Bay parece original, mas se as empresas oficiais já usam uma “foto meramente ilustrativa”, que dirá um pirata. Mando um e-mail para a Vibram, cuja resposta é desanimadora: o produto é falso. E me indicam o sites deles próprios para comprar o produto original. Ali o mesmo produto sai por US$125, sem contar a entrega (no e-Bay custa US$25). E, é claro: não há opção de entrega no Brasil e nem pagamento via PayPal.

A sonhada FiveFingers

Voltando ao site da Vibram, há uma seção inteira dedicada as cópias falsas. Um os links é “We’re fighting back”, que eu reproduzo abaixo:

Fighting counterfeiters. Protecting customers.

Vibram FiveFingers® is committed to combating counterfeiters at every turn. We view attempts to deceive consumers and violate our intellectual property with the utmost concern. We will take aggressive legal action against anyone who is manufacturing, distributing, marketing, or selling counterfeit Vibram® products. We are working with the relevant authorities to shut down all fraudulent Web sellers of “FiveFingers,” including Web sites, online auction sites, etc. We will continue to coordinate with Customs officials worldwide to stop the proliferation of these counterfeits and eradicate their distribution.

Não, Vibram, vocês não estão lutando contra. E nem nos protegendo. O máximo que vocês estão fazendo é correr atrás do prejuízo. Do seu prejuízo. Porque o pior prejuízo para o cliente final não é comprar uma cópia pirata e sim não ter produto algum. Para você lutar contra a pirataria, você precisa entendê-la, e para isso vamos analizar três motivos básicos de sua existência. E neste ponto já não estamos falando dos produtos da Vibram e sim de qualquer fabricante que tem os mesmos problemas e lamentavelmente as mesmas atitudes que não resolvem nada. Pirataria é um navio com fundo podre e os fabricantes acham que tapar cada furo com massa epóxi vai resolver o problema.

Como aciona o freio mesmo?

O primeiro problema é de longe o preço. E neste quesito eu concordo que não há muito o que fazer, pois pesquisa e desenvolvimento de produtos custa caro (assim como empregar gente inteligente), patentes, leis trabalhistas, leis tributárias, e por aí vai. Mas eu acredito que muita gente gostaria de pagar um preço honesto por um bom produto, eu incluso.

?Tupperware? sai mais caro

O segundo problema é disponibilidade. Um produto pirata eu encontro quase sempre próximo de mim, e eu posso testá-lo, ver como é. No caso da FiveFingers, o vendedor pirata do e-Bay me entrega no Brasil, e a Vibram não. Ou seja: um produto de pior qualidade tem uma rede de distribuição melhor do que um fabricante que está há 73 anos no mercado. Um canal da Vibram dentro do e-Bay é uma possível solução que poderia ser boa para ambas as empresas e para o consumidor final.

Vai mêpêtrêis aí, chefia?

E o terceiro é burocracia. No site da Vibram eu tive que fazer um cadastro, criar uma senha, para só muito depois disso poder ver que não há entrega na minha região, com um site um tanto confuso, tendo que conferir isso em três diferentes sites: América do Norte, Europa e China. E os preços variam entre eles três! Na Amérca do Norte a KSO Trek custa US$ 125 e no site Europa, ?149. Eu acredito que este produto é fabricado em um único lugar (China, como qualquer coisa), então como pode custar mais caro em uma geografia do que na outra, lembrando que esse preço não inclui frete? Na verdade, o modelo que eu quero é a Treksport, e este item não está sequer a venda no e-commerce América do Norte. Voltando à comparação com o site do e-Bay, eles não estão dando a mínima se eu estou na Guatemala ou na Bósnia: é international shipping.

Setor de e-commerce de algumas empresas

Portanto, não basta ter um ótimo produto, protegido por todas as leis de propriedade intelectual. Se ele não tem um modelo de negócios abrangente, e tão agressivo quanto a pirataria, não há processo judicial que resolva o problema. Fabricantes que saem numa caça às bruxas me parecem muito com crianças que choram para seus pais que a irmã puxou o cabelo: só querem saber de sua proteção sem oferecer nada em troca. A pirataria existe porque há um nicho de mercado, há um público de interesse e eles preenchem essa necessidade com eficiência. Ou seja: as empresas se afundaram no modelo que eles mesmos criaram, da lei de oferta e procura.

Procurou? Tá aqui

Em tempo: eu não gosto da idéia de comprar uma cópia, mas eu vou comprar a FiveFingers do e-Bay. Quando a Vibram e todas empresas com atitudes similares tiverem um modelo de negócio melhor do que os piratas, poderemos voltar a conversar.?

Entendeu?
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