O sonho da casa própria
Se você quer virar um caramujo, carregando a casa às costas, aqui estão os quesitos necessários para a escolha da sua barraca
por Lex em 06/Jan/2012
Para quê casa de campo se com a barraca você pode ter uma vista diferente a cada dia ? Estar com ela às costas é sinal de mais pura liberdade, ou, na pior das hipóteses, de uma noite de sonho sequinho e confortável. Mas assim como é difícil escolher entre uma kitnet na Cohab e um loft no Jardins, a escolha da tenda não é tarefa tão fácil quanto parece.
Rede de intrigas
Com a rede você tem menos peso, volume e trabalho, mas a barraca pode te proteger melhor do frio, vento e chuva e ainda há aquela sensação gostosa de estar dormindo mais protegido. Eu costumo levar em consideração os seguintes pontos para escolher a barraca ao invés da rede, com base no destino de viagem:
- Inexistem árvores no local, como ambientes de montanha ou cerrado
- Haverão mais pessoas de rede, diminuindo a quantidade de árvores disponíveis no local de acampamento
- Possibilidade de vendaval, agravado por chuva lateral
- Frio! Muito frio!
- Lugares superpovoados em que não é confiável deixar seus pertences pendurados num canto ou esparramados no chão. Mas vamos sempre evitar esses lugares, certo?
Chutando o pau da barraca
considerações para compra
O primeiro fator a ser considerado (além do preço, é claro) é o tamanho da sua futura morada. Recomendo barracas de no máximo 3 lugares; acima dessa quantidade de pessoas, dividam seu acampamento em várias tendas. O tipo mais comum de barraca é a iglú, e este modelo tem excelente geometria: são altas, de paredes quase verticais e são muito confortáveis, possibilitando sentar-se dentro delas. Mas este conforto tem um contraponto que é a aerodinâmica comprometida. Portanto, considere se você vai usa-la em ambientes que ventam muito. Tentar dormir sendo quase levado pelo vendaval é uma experiência nada agradável (mas muito empolgante!). A geometria vai indicar o quão aerodinâmica é. Cada dia surgem no mercado modelos com desenhos mais modernos e acredito que as iglús um dia farão parte do passado, assim como hoje em dia ninguém mais usa as lendárias canadenses, em forma de V invertido. Os materiais evoluem rapidamente e quando a relação de peso e resistência das varetas não for mais um problema, veremos modelos bem mais inteligentes à disposição.
Quanto a sua estrutura, existem basicamente dois tipos: as auto-portantes e as esticáveis. Se ao colocar as varetas a barraca fica em pé sozinha, e até permite ser deslocada de lugar, então ela é autoportante. Mas, se por outro lado, a barraca precisa ter seus speks fincados com certa pressão no solo de modo a estica-la e assim têla de pé, então você tem um modelo de armar à mão. As autoportantes são muito mais práticas, mas as esticáveis costumam ser mais leves. A maioria das autoportantes o é somente para a estrutura interna e a capa externa precisa ser esticada com speks. Se puder, compre uma barraca totalmente autoportante, em que a capa externa se encaixa nas pontas das varetas, deixando a tenda completamente portátil. Nem sonhe em comprar aquelas malditas barracas que armam em dois segundos; eu poderia escrever um artigo do tamanho desse falando de suas desvantagens.
A área que a barraca ocupa no chão é chamada de footprint. A barraca normalmente é composta por duas camadas: a proteção interna, de um tecido fino ou tela e a capa externa, impermeável para proteger do orvalho e chuva. Entre essas duas camadas há um espaçamento, portanto o interior da barraca é quase sempre menor que o footprint. Essa relação vai dizer o quão eficiente ela é em termos de uso de espaço. Alguns modelos para climas quentes, bem mais leves, usam apenas uma lona: escolha estes modelos somente se você acampar em lugares quentes e com índice pluviométrico baixo.
O isolamento térmico e à chuva depende essencialmente do quão bem montada e esticada. Portanto, repita comigo: “eu vou esticar minha barraca direitinho sempre, eu vou esticar minha barraca direitinho sempre, eu vou esticar minha barraca direitinho sempre”. Quanto ao isolamento térmico, costumam ser divididas em 2 categorias: 3 estações e 4 estações. Adivinhe qual é a estação que o primeiro modelo não comporta, e escolha o modelo mais adequado as suas necessidades.
Algo que não pode ser ignorado é o avancê ou vestíbulo. É a parte de lona externa que avança além da parte interna, criando um espaço para deixar equipamentos, como mochilas molhadas e botas sujas e que também será usado para cozinhar debaixo de chuva. Você conseguirá cozinhar de dentro da barraca sem se molhar? E com conforto? E a chama do fogareiro não vai gerar um incêndio ao ser aceso? Tenho uma barraca que já me fez passar fome por não permitir cozinhar debaixo de um pé d’água, foi frustrante.
Na loja em que você vai conhecer sua futura morada, monte-a por conta própria, com alguma (mas não muita) ajuda do vendedor. Procure contabilizar o tempo e a dificuldade de montagem, isso será muito importante num dia de chuva, frio ou cansaço. Entre, deite dentro dela, feche o zíper, vire-se, fique em várias posições: deitado com a cabeça de todos lados possíveis e sentado, na posição de cozinhar. Ter um monte de bolsos e fitas para pendurar seus badulaques é sempre vantagem e não acrescenta peso algum.
Observe a qualidade das varetas e prefira as de alumínio ao invés das fibra de vidro. Estas últimas costumam rachar com o tempo, embora as de alumínio requerem cuidado extra para não amassar. Por fim, evite cores escuras. Escolha entre azul, verde, cinza (todos em tonalidades claras), laranja e amarelo.
Com a barraca armada
técnicas de uma casa itinerante
Lave sua barraca somente se ela estiver nojentamente suja, e para isso o melhor mesmo é faze-lo delicadamente no tanque com água morna e sabão neutro. Confesso: mandei à lavanderia certa vez e claro que foi a maior estupidez; hoje em dia não lavo minhas barracas. A terra que fica na parte em contato com o chão, num dia de calor e sol, irá se soltar com algumas palmadas. Caso você seja muito preciosista, pode comprar uma lona mais fina e barata e usa-la como footprint. Eu gosto da lona sobressalente para pôr logo à frente da porta, que servirá de tapete para a roda de amigos enquanto se faz a janta num bate-papo descontraído. Assim, todos poderão ficar descalços sem levar sujeira para dentro de casa ao entrar. Na manhã seguinte levante a barraca ainda armada, mas sem a capa externa e com a porta para baixo; sacuda-a energeticamente e a sujeira toda (e mais alguns grampos de cabelo, pilhas perdidas e moedas) vão cair, deixando-a limpinha para o próximo acampamento.
Enquanto a noite caia você distraidamente deixou a porta aberta enquanto fraternizava com seus amigos na lona azul do lado de fora e milhares de borrachudos sanguinolentos entraram no conforto do seu lar sem ser convidados. Ao tentar dormir aquele maldito zum-zum-zum te deixa louco e você começa a tentar a matança desses hereges, mas percebe que eles são imortais: repelente não os mata, as palmas só fazem barulho e cobrir-se com o saco de dormir na cabeça o sufoca. Que inferno de noite. Somente uma técnica poderá salva-lo: a técnica Jackson Pollock. Faça dela um jogo com seu companheiro: com polegares a postos e headlamps carregadas, espere-os ficarem quietos na parede branquinha. Pressione o polegar contra o maldito na parede e arraste-o alguns centímetros. A risca vermelha de sangue vai provar o ponto marcado. Vocês poderão contabilizar os pontos por borrachudo assassinado e volume de sangue espalhado. Aproveite a brincadeira para redecorar o interior de sua casa.
Exceto em clicloviagens (e olhe lá), aquelas malditas maletas que acompanham o produto são totalmente desnecessárias. Me explico: a melhor geometria para guarda-las é dobrada em forma quadrada (sobreteto mais parte interna) no fundo da mochila, dando-lhe um base plana para que fique em pé sozinha. As varetas vão em pé no corpo do mochilão. Insistir em coloca-la na sua sacolinha como veio de fábrica e amarra-la em qualquer lugar da cargueira é um pedido de sofrimento.
Pena que todos os manuais que as acompanham sejam tão toscos e com regras impossíveis de cumprir. Uma delas é de nunca guardar a barraca molhada. A outra, de nunca cozinhar dentro dela. Oras, se você foi obrigado a desmontar o acampamento sob toró torrencial, como não guarda-la molhada? Se você está numa montanha alta, o frio lá fora é de congelar o esqueleto e você está morrendo de fome, como não cozinhar dentro de casa? Já que a gente precisa fazer essas bobagens, vamos fazer do melhor jeito possível. Evite isso como o diabo que foge da cruz, pois é realmente perigoso: imagine se a barraca pega fogo com você dentro ou morrer sufocado pela falta de oxigênio (bem, pelo menos será uma morte bem tranquila). Mas, se realmente não for possível evitar, faça o seguinte: abra o máximo possível a porta para ventilar (ou para sair correndo em caso de acidente). Amarre a base do fogareiro numa frigideira, fundo de panela ou alguma outra coisa plana e não-combustível. Sugiro sempre ter no equipamento fitas tire-up (enforca-gato ou hellerman, como preferir) para este fim. O maior perigo está na hora de ligar, pois é quando o fogareiro expele a maior chama. Procure liga-lo do lado de fora, e depois traga-o de volta com a chama estabilizada. Se o temporal for tão feio que nem isso é possível, mantenha uma panela grande (e vazia) por perto para tampar a chama alta caso necessário. Toda distância possível de sacos de dormir, isolante, paredes e teto, roupas ou qualquer outra coisa. E escolha a parte mais plana e estável do chão para isso. Ter a mão uma toalha molhada me parece boa idéia em caso de emergência. Técnica permitida apenas para fogareiros a gás e pressurizados, nunca-jamais para espiriteiras. Boa sorte!
A barraca é a nossa casa fora de casa. É um equipamento durável e que vai te acompanhar em várias aventuras, será presença garantida em suas fotos e memórias. É o símbolo máximo do campismo e servirá como um templo para deslumbrar-se como a vida lá fora é tão mais gostosa e verdadeira?
06/Jan/2012 as 12:19
Como sempre começo os comentários com a mesma frase ( não posso fugir do óbvio):
Show de post Lex!
E o que mais me chamou a atenção é que na última vez que passei por aqui, estávamos comentando via redes sociais sobre as Kampas e vc já estava com aquele outro post no esquema.
E agora, lá vamos nós de novo, falávamos sobre uma barraca pra eu comprar e vc já estava com o post no forno…
Peraí, alguém bocejou aí, porque eu acabei de bocejar aqui… Medo…
São os espíritos zombeteiros :O
Abção meu caro
06/Jan/2012 as 13:07
HAHAHAHAHHA, ri horrores agora, Jeff. Confesso que eu adiantei a publicação deste post justamente porque estávamos conversando sobre isso agorinha mesmo e eu não pude resistir a tentação 😉
um abração meu querido!
06/Jan/2012 as 12:51
Otimo Post!!
Muito bom pra quem ta começando como eu!!!!
valeu Lex!!!!!
06/Jan/2012 as 13:08
Estamos trabalhando para poder estar sempre postando para vocês poderem estarem sempre lendo.
O blogus agradece a sua visita, pela atenção obrigado.
06/Jan/2012 as 19:57
Olá Lex, parabéns por mais um post excelente. Sempre aprendo muito com os seus textos. Abraços, Ricardo.
07/Jan/2012 as 15:35
Valeu, Ricardo! abraços
08/Jan/2012 as 09:07
Parabéns pelo post! Sempre acompanhando suas novidades via RSS. Continue assim!
Abraços!!!
09/Jan/2012 as 11:55
Que legal! Sempre quero saber quem são os 75 demais leitores de feeds 😉 Valeu, abraços
08/Jan/2012 as 13:28
Valeu o post, muito legal e instrutivo como sempre.
Abs
09/Jan/2012 as 11:55
valeu, abracos
15/Jan/2012 as 15:43
Olá Lex, ótimo post…como sempre….heehe
Sobre não lavar a barraca, e quando a gente esquece ela meio úmida e forma aquele mofado fdp??
Sobre a cobertura da barraca, vale a pena aplicar scothgard nela? de quanto em quanto tempo?
16/Jan/2012 as 08:42
Boua pergunta! Simples: deixe ela montada sob o sol, quando ele surgir. Mas se o mofo ficou muito proeminente, não tem jeito: lixo! O negócio, ao chegar de uma viagem chuventa é deixa-la aberta em casa, pelo menos para ventilar.
Sobre a cobertura, eu apliquei uma vez só o silicone da Nautica, e apesar do serviço ter ficado uma #*^%$, até que segurou água um tempinho. Mas não muito. Quando a impermeabilização da barraca começar a esfarelar… é hora de troca-la. Você pode tentar negociar com o seu fabricante se ele faz essa re-impermeabilização, seria a melhor opção.
braços!
23/Feb/2012 as 13:26
Para tirar mofo, aplicar água oxigenada com uma esponja ou algodão e deixar no sol ajuda, dependendo do tamanho do estrago.
24/Feb/2012 as 09:17
Ótima dica, Vêve!
26/Jan/2012 as 11:54
Muito bom cara, seu blog é muito foda, ja faz acho que um ano que acompanho. Valew Lex.
26/Jan/2012 as 20:09
Servimos bem para servir sempre!
18/Feb/2012 as 12:14
As Kampas aqui na Amazónia -não confundir com o Povo Kampa – são muito festejadas: Grandes distãncias exigem pouco peso. Eu uso desde os tempos em que ganhei uma de presente de um sargento do exército, De lá pra cá, pelas matas, sempre tem uma comigo.
Bons tópicos/fotos
abraços amazónicos
Carlos
24/Feb/2012 as 09:16
excelente, meu querido! abraços paulistanos
13/Mar/2012 as 19:21
Muito bom, mesmo depois de anos acampando esse dicas ajudam e muito.
Abraços
André
14/Mar/2012 as 12:24
obrigado!
08/Apr/2012 as 22:22
O sonho da casa própria e outros sonhos
Lex,
Esse é uma das postagens de que mais gostei, recupera sem nenhuma presunção besta o sentido -perdido no chaos dominante- do Bem Viver, aquela perspectiva de que uma vida pode caber se não em uma mochila, ao menos em duas. O texto dá uma coceira danada na gente, de acampar, juntar outr@s comp@arsas e ajuntar outras barracas da/na vida. Palavras a mais, palavras a menos, todo o texto é uma cachoeira de estímulos.
09/Apr/2012 as 14:50
Carlos, é um prazer escrever para ti!
E seu elogio tão bem escrito de palavra-puxa-palavra só me desafia a não perder a bola.
um abração!
26/Apr/2012 as 14:16
ótimas dicas ,vale apena conferi .
28/Jul/2012 as 00:40
Olá Lex, é o Eduardo de BH de novo.
Legal seu post de barracas, queria uma dica sua.
Vc conhece a barraca Salida 2 da Kelty? Preciso de uma bem leve pra duas pessoas.
Estive fazendo uma pesquisa no amazon.com e a com melhor custo-benefício, pesando algo em torno de 1,8kg, só que pelas fotos talvez a vedação não seja excelente.
Valvez vc pudesse tirar essa dúvida…
Obrigado!!
26/Dec/2012 as 09:07
Fala aí Lex,
Queria saber sua opinião acerca da Super Esquilo 2 da Trilhas e Rumos, estou prestes a a estreá-la e ainda to com aquele frio na barriga e a empolgação de quem acabou de adquirir uma nova morada itinerante!
Grande Abraço
03/Jan/2013 as 13:50
Parabéns pela aquisição! A Esquilo 2 é uma barraca de bom custo-benefício, excelente aquisição para quem começa a acampar por aí. Não dá para esperar que ela segure ventos patagônicos ou frio russo, mas é uma boa opção para o verão. O importante é sempre mante-la bem esticada para que não padeça sob chuva. abração!
13/Mar/2013 as 00:50
Lex, qual é o modelo da sua barraca que aparece nas fotos desse post (aquela que você colocou em posição ginecológica)?
16/Mar/2013 as 12:26
Rey, é uma Manaslú Discovery!